segunda-feira, 21 de março de 2011

A Crise do Proletariado Educado

A mudança de trabalho, somada ao fato de que recebi visita por uns dias, atrasou minha volta à este espaço. Gosto de escrever, mas tem que ter clima. E a verdade é que quando voce passa o dia na frente de dois computadores e depois chega em casa e tem que fazer a social com a visita - que sim, é muito gente boa - no fim da noite já nao sobra muita inspiraçao. Portanto...vamos ao resumo do que passou desde o dia 3 de Março, o dia em que comecei a trabalhar na Oracle.

O primeiro dia foi num hotel. Eles chamam isso de induçao. Eu fiquei brincando, dizendo que era a abduçao. Na verdade tudo parecia um mix de primeiro dia de colégio militar dentro de um cenário aonde os personagens foram tirados da série Big Bang Theory. De 30 pessoas que eu contei, só 4 eram mulheres. Duas delas técnicas...ou seja, nerds e nao muito bonitas - pra nao esculachar e dizer que eram bem feiosas. As outras duas... eu a secretária éramos as outras...e, neste contexto, me senti bem bonita e gostosa. Foi meio entendiante, mas era parte do jogo.

Em vez de encher o texto de mera descriçao dos acontecimentos, vou partir logo pra dizer o que aconteceu, emocionalmente falando, nestas duas últimas semanas. Porque afinal os fatos sao como sao...e o que fica é como voce se sente/sentiu a respeito.

O clima e as pessoas da Oracle me pareceram ótimos desde o primeiro minuto. O problema era/tem sido o que se passa dentro da minha cabeça. De repente, ao encarar a realidade do que consiste este trabalho, eu comecei a me questionar. Teria eu perdido tempo nos últimos 6 anos que gastei estudando política internacional, teorias e coisas do tipo para terminar trabalhando numa empresa multinacional de tecnologia de informaçao? Uma empresa que, honestamente, nao se interessa pelo debate teórico neo-neo, ou mesmo com as consequencias do atual desmantelamento das estruturas políticas do Oriente Médio. Eu passei um tempao tentando decrifrar tudo isso pra terminar sentada num cubículo tentando entender problemas técnicos e ajudar clientes? Confesso, bateu um desespero.

Mas a pergunta principal e óbvia: por que eu mudei entao? A resposta, também óbvia: porque me pagam o dobro! E supostamente, numa empresa desse tamanho, existem melhores chances de crescer profissionalmente. Eu poderia ter continuado tranquila fichando bandidos fraudulentos... mas o dinheiro da Oracle paga alguns dos meu luxos, como uma academia fina e personal trainer. Com esse dinheiro eu posso, finalmente, ser independente e nao ter que gastar mais nenhum centavinho que nao fui eu que ganhei. E além de pagar minhas contas e meus luxos, eu posso "me dar o luxo" de investir em açoes da própria empresa, que compro com desconto.

E assim, racionalizando, passei a primeira semana. Fiz uma retrospectiva das grandes mudanças da minha vida. Sempre sofro no começo. Mas sei que nao é porque sou fraca - apesar de sempre achar que poderia ser mais forte. Dizem que mudança de emprego, assim como um divórcio ou uma casa, estao no topo da lista de geradores de maior estresse. Dentre essas opçoes, fico com a primeira. Melhor assim que um divórcio.

Claro que sentir-se um peão nao era algo com que eu estivesse acostumada. Além de toda a burocracia. Numa empresa com mais de 100 mil funcionários é lógico que as coisas devem seguir passos pré-definidos. Mesmo que estes passos signifiquem uma espera longa e, como dito, uma tremenda burocracia. Precisa de um mouse novo? Ah, entra no portal e pede um. Seu gerente aprova... tudo passa por um processo até chegar na Dell nos EUA e de lá eles te mandam seu mouse. Coisa similar com senhas e acessos aos milhoes de sistema que eu ainda nao sei bem para que funcionam, mas sei que preciso poder ter acesso a eles. Bem vinda ao mundo Oracle, com todos os seus portais, processos, senhas e nomes de usuário. Bem vinda ao mundo proletário. De agora pra frente é acordar de manha, ir para a fábrica, apertar parafusos - porque sim, o trabalho é bem mecanico - e depois sair de lá, repetindo para si mesma, como um mantra, que vale a pena porque no fim do mes eu poderei olhar para a minha conta e sorrir sem muitas preocupaçoes. Será? Bem vinda a alienaçao e ao emburrecimento que a vida proletária inevitavelmente nos conduz.

Talvez eu esteja fazendo muito drama. Fruto de todas essas reaçoes causadas pela mudança. O Sr. Bobinho nao esteve disponível para ouvir meus lamentos. Ele tem estado preocupado com suas próprias coisas.... graças a Deus por Dona Let e Pedrinho, que estiveram disponíveis pelo Gtalk.

Imagino que o Sr. Marx, quem eu já tanto critiquei/critico e praguejei, teria uma pontinha de orgulho de mim. Eu finalmente entendi o que significa a alienaçao do proletariado. E sim, meus amigos, eu sofro com isso. Eu sofro porque nos últimos tempos eu quis construir parte da minha identidade basada nessa história de que eu, dona Ylana, era/sou uma intelectual. Que a parte mais fantástica do meu corpo nao é minha bunda (LOL) e sim meu cérebro. E agora assim, por dinheiro, eu chuto o balde e mando o cérebro descansar. Já nao preciso muito dele. E por isso o momento de despero aonde me pergunto/perguntei: e agora, quem sou eu?


Como eu disse ali em cima, talvez eu esteja fazendo muito drama. Melhor aceitar o que disse a Lais: "fica quieta, voce tá ganhando bem". Essa é a vida adulta....e a vida adulta, no meu caso, é proletária.

Espero, sinceramente, que o dinheiro que devo receber daqui uns poucos dias, ajude a acalmar essas inquietudes tao incomodas. O dinheiro, eu sei, nao vai comprar minha felicidade. Mas vai pagar os restaurantes que eu quero ir, a academia phyna e o personal trainer, futuras férias na Europa e no Caribe, e... muito provavelmente vai acabar pagando a terapia também.

Enquanto isso eu me contento lendo livros...e pensando que assim eu mantenho algo que ainda me resta de intelectualidade. Como se isso fosse grande coisa...

3 comentários:

Laís disse...

Eu sei que você sempre se orgulhou da sua intelectualidade...e isso tbm me orgulha em você!
Saber que um ser intelectual como você me atura...me faz sentir special!hahaha
E acho que o seu último parágrafo resume tudo!...
Li um dia desses uma frase muito sábia que dizia: "O dinheiro não compra felicidade, mas compra lindos sapatos! E sapatos lindos e novos me deixam muito feliz!!!"...
Ou seja...indiretamente o dinheiro traz sim felicidade!kkkkkkk

Mas não se desespere...isso ainda não é o fim!...
E se a vontade de ser apenas uma intelectual e fugir da alienação forem mais fortes do que você um dia...você vai precisar ir juntando um dinheirinho da Oracle pra poder bancar os luxos no futuro!hahaha

Miss u beesha!!!

Leonardo disse...

Eu não acho que você esteja perdendo tudo o que estudou quando aceitou trabalhar na Oracle (sou suspeito por que adoro tecnologia) pois além do desejado dinheiro, com seu estudo você tem chance de ser vice-presidente ou mesmo presidente da Oracle Chile. E eu acho que você não devia somente aceitar o Blackberry, mas sim perguntar se não tem um iPhone 4, assim você fica rica de vez e ainda tem uma loja com mais 300.000 aplicativos. Mas tirando as brincadeiras, não é fácil ser contratado por uma empresa desse porte, e todo mundo da família aqui em Goiânia, depois que você voltou disse: "eu me orgulho da Ylana, ela é bonita, agora é rica e tem um namorado gente boa", e eu concordo com quem disse isso. Só uma pergunta: o Sr.Bobinho é o Mr.R?...

Alixandro disse...

bem.. se não estivesse vivendo o mesmo, talvez eu não te entenderia kkkk.. mas a realidade é bem essa.. um trabalho repetitivo numa empresa de porte mundial.. e assim segue a vida e a labuta... por vezes eu me questiono sobre esse tempo que eu me encontro aqui e também lembro da vez em que estavamos conversando voltando para a casa e vc me disse: Alixandro, vc nunca vai poder juntar a sua ambição de trab em uma grande empresa com o doutorado e o mundo do conhecimento. Hj concordo contigo plenamente e de uma forma bem intrigante vejo-me pensando numa resposta para essa nossa pergunta: quem sou eu? um rapaz que sempre sonhou estar em um banco e agora tem isso ou um rapaz que sempre sonhou em divulgar um novo pensamento?
é y... agora sou eu que te digo.. bem vindo ao mundo real kkk

 
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